terça-feira, 11 de agosto de 2015

A Escola Austríaca de economia

"Somente ideias podem iluminar a escuridão."
                                                                       Ludwig von Mises

Em primeiro lugar, o que é uma Escola?

Além do sentido que a gente conhece (o Coltec) a palavra Escola tem um outro sentido.

Nas ciências exatas quando se descobre uma nova explicação para um fenômeno da natureza essa nova explicação substitui a antiga. Assim, quando Galileu Galilei lançou a ideia do Heliocentrismo, essa nova "teoria" (nome da ideia que explica o fenômeno) foi aos poucos substituindo o que se acreditava na época, que era que a Terra era o centro do Universo.

A coisa normalmente se dá da seguinte forma: existe uma teoria aceita como boa (não como verdade, que é um conceito pra lá de enrolado), aí começam a aparecer fenômenos que não são explicáveis por essa teoria. Galileu observando o céu com telescópios que construiu, melhores que os anteriormente existentes, trilhou esse caminho. Antes do Einstein também já eram conhecidos fenômenos que a Mecânica Newtoniana (teoria aceita na época) não explicava, aí o alemão foi e criou a Relatividade e explicou quase tudo que a gente vê até hoje em fenômenos físicos. No caso da relatividade, uma curiosidade: como ela é muito, muito complicada, a gente continua aprendendo na escola a Mecânica Clássica (do Newton), porque ela é "facinha, facinha" e explica o mundo que conseguimos enxergar com nossos olhos. Conclusão: as duas convivem mas a gente sabe que as ideias de Newton não "ornam" com coisas muitíssimo pequenas e velocidades próximas à da luz. Se vc for construir um carro, um helicóptero (ando com essa palavra na cabeça, porque será?) vá de Newton. Se for fazer uma espaçonave ou bomba atômica, aí é com o judeu alemão.

Resumindo: em exatas, uma "verdade nova" substitui a "velha", e o conflito só existe durante a transição, sobre a qual aliás existem histórias engraçadas e trágicas... mas, tergiverso.

Em biologia as coisas em parte são assim tb: ninguém hoje duvida da existência de germes que causam doenças, que por increça que parível é uma teoria recente, do fim do século XIX. Já algumas coisas são objeto de discussões sem fim, ex: ovo, faz bem ou faz mal? Como emagrecer com saúde? E vai por aí afora... mas no fim as coisas acabam se assentando em um senso comum.

Quando chega em humanas... aí ferrou!

É que nesse caso aparece o tal "serumano", seu comportamento, suas tomadas de decisão... aí as teorias ficam muito enroladas e muitas vezes são opostas, com um bocado de gente foda acreditando numa coisa e outro bocado não menos fodão acreditando no oposto. Capitalismo ou socialismo? Em RH (ups, Gestão de Pessoas!) vale a Teoria X ou Teoria Y? Gênero é uma construção social ou o fato de nascermos com pipis e pepecas já dá uma boa dica do que precisaremos achar na outra metade da laranja para nos encaixarmos?

Aí aparecem as Escolas, que são os nomes de grupos de pessoas (normalmente cientistas, pesquisadores) que acreditam em uma determinada teoria. Às vezes o nome da Escola diz respeito ao que os caras acreditam (Escola Historicista, Positivismo etc), mas nem sempre. A Escola Austríaca de Economia foi assim batizada pelos alemães, de sacanagem. É que os primeiros caras que apareceram com essas ideias eram austríacos, e estes estão para os alemães assim como os portugueses para nós brasileiros, belgas para os franceses... "essas ideias só podiam ser de austríacos", diziam os alemães.

Hoje, claro a Escola Austríaca de austríaca só tem o nome, até porque com o nazismo a maioria dos austríacos da época se mandou da Áustria. Vários dos membros da Escola naquela época eram judeus, e pelo menos um deles foi morto em um campo de concentração. Ludwig von Mises, o autor do livro que eu estava lendo, também judeu, estava trabalhando na Suíça quando a Alemanha anexou a Áustria. No dia da invasão, Himmler, o chefe das SS, foi pessoalmente ao ap de Mises para captura-lo. A namorada dele estava em casa, passou-se por empregada. Quando o sujeito foi embora, mandou um telegrama ao amado dizendo: “Não precisa vir mais", e foi ao encontro dele. Daí fugiram pra NY. Mais sobre esse episódio: http://www.mises.org.br/BlogPost.aspx?id=2753

“Mas e aí, tio, o que é essa tal Escola Austríaca então?”

Antes do povo da Escola Austríaca propor suas ideias o que estava “na moda” eram escolas como o Positivismo e o Historicismo. Ambas as escolas são “otimistas”, quer dizer, preconizam que o homem sempre caminha “para a frente” e vai fazendo escolhas cada vez mais racionais e baseadas no conhecimento adquirido até o momento. O historicismo ainda diz que a experiência econômica passada deve ser estudada para entender o presente e prever o futuro; seria então possível planejar o futuro econômico das nações.

Os austríacos, ao contrário, dizem que as escolhas individuais são tão irracionais que é impossível (ou “indecidível”, como diz o povinho da computação) modelar, e consequentemente, planejar a evolução do mercado.

Se não há como conduzir o mercado, como lidar com ele? Os austríacos propõem que o negócio é o “laissez-faire”, que é “deixar rolar” em francês. O mercado se organizará e se aperfeiçoará sozinho, e qualquer intervenção que se fizer no sentido de “orientá-lo” trará como resultado perdas em relação ao que teria acontecido se a intervenção não tivesse rolado.

“Uai, tio, comassimcêfala? O negócio então é deixar o pau quebrar então?”

Sim... e não. O negócio é estabelecer poucas regras e fazer com que elas sejam cumpridas absolutamente. Exemplo: os contratos comerciais entre pessoas terão suas normas cumpridas estritamente, e as transações comerciais devem ser sujeitas à menor imposição possível de forças coercitivas.

Para eles, claro, o Estado tem que ser mínimo, focado unicamente em cuidar daquilo que realmente a iniciativa privada não possa ou não queira cuidar sozinha. 

Uma contribuição da Escola Austríaca que é muito aceita e estudada hoje em dia é a formação de preço, quer dizer, como é definido o preço de um produto/serviço. Antes dos austríacos acreditava-se que os preços eram calculados como custos de produção + margem de lucro desejada. Os caras disseram que o buraco é muuuuito mais embaixo, e que no fundo os que produzem estão muito mais interessados em quanto o mercado deseja pagar por um determinado produto ou serviço, o que é muito mais complicado.

 É o que parece acontecer na prática, na prática, nenão? Será que um iPhone custa à Apple cinco, dez  vezes o valor de um Sansung mais ou menos equivalente? No entanto a Apple consegue precificar seus produtos numa faixa superior, porque convenceu um zilhão de terráqueos que eles simplesmente não podem viver sem um iPhone pra chamar de seu...

Será que a margem de lucro da Fiat quando vende Uno Mille (ainda existe Uno Mille?) é a mesma de quando vende uma Ferrari?

Alguns dos austríacos defendem até o fim da moeda “estatal”. Haveriam moedas emitidas pelos bancos e a gente escolheria qual delas usar. Os bancos nos pagariam uma remuneração por usarmos seu “dinheiro”, assim como nos cobram juros quando usamos o seu capital na forma de empréstimo, cheque especial etc. De certa forma a gente vai andando nessa direção: cada vez mais as nossas transações são eletrônicas e nosso dinheiro na realidade vai de banco pra banco quando usamos nossos cartões de crédito/débito. Tem países inclusive programando eliminar o dinheiro físico, clicaí pra ver: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150518_dinamarca_fim_cedulas_moedas_dinheiro_rb

Com isso, os bancos vão se tornando mais “donos” do processo de “precificar” o dinheiro.

Bom, isso é um pouquinho do que pensam os “austríacos”. No fim desse textão tem algumas recomendações de leituras adicionais.

Pessoalmente acho que faz sentido dizer que o centro da economia está no indivíduo, e que o que vale a pena mesmo é estudar as escolhas individuais, e que os indivíduos devem ser deixados o máximo à vontade para que façam essas escolhas. Quem é mais cuidadoso e eficiente para cuidar do seu dinheiro, vc ou o governo? E no fundo, quando pagamos impostos estamos na realidade “terceirizando escolhas”, ou seja, dando a uma burocracia “iluminada” o direito de usar esse dinheiro da forma que decidirem. Ficamos então esperando que os caras usem essa grana de maneira a produzir o bem comum. Euzinho acho que esse tal “bem comum” nem existe... mas isso é uma  discussão que, apesar de ser do mesmo hospício, é de outra enfermaria.

E porque estudar esse assunto agora? É que as medidas que foram tomadas mundo afora com relação à crise de 2008 foram o contrário do que reza a Escola Austríaca, com os resultados que conhecemos, a começar do Brasil. Os austríacos modernos não só previram a crise como agora começam a ver adotadas medidas que eles sempre diziam ser acertadas, ou seja, a gente vai ouvir falar mais e mais deles daqui pra frente, eu acho.

Bom, é isso. Para quem quiser se aprofundar no assunto, uma dica é o livrinho que eu li, O Contexto Histórico da Escola Austríaca de Economia. Eu sempre busco ler sobre a história de um determinado assunto quando me disponho a estudá-lo, e esse livro foi na medida pra mim. 

Outra dica: As Seis Lições. É um documento disponível na internet com seis tópicos muito relevantes comentados pelo Mises. O título em português, pra NÃO variar, não só não tem nada a ver com o original como é muito pior. Esse troço de Seis Lições parece coisa de autoajuda, não? No original é ECONOMIC POLICY: THOUGHTS FOR TODAY AND TOMORROW.

Estou cá a ler o bicho, mas já posso adiantar que é muito bom, recomendo! Ele trata de tópicos como capitalismo, socialismo, inflação e outros com uma clareza e simplicidades absurdas. 

Impressionante ler um documento atualíssimo que transcreve conferências feitas pelo autor em 1956, na Argentina.

Tem também sites como esses abaixo. No caso dos sites em português, uma curiosidade é que o debate coxinhas x mortadelas anda tão exacerbado que faz com que temas cotidianos ocupem muito espaço, mas tem bons textos sobre economia na perspectiva austríaca, tb.

Instituto Mises do Brasil.