sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Porque não sairei perdendo na eleição de domingo

Digo que sou um cara de direita e me orgulho disso. É só ver o meu lema do zap para comprovar. Numa conversa mais longa, porém, digo que sou um "iluminista", alguém que acredita e pratica os ideais "Razão, Ciência e Humanismo" que Burke, Kant e outros enxergaram na virada do séc. XVII por XVIII.

Uma dessas ideias é: "Ouse entender!" E porque entender seria um ato de ousadia? Por algumas razões: primeiro a gente tem que se desprender das nossas próprias ideias, e isso é desafiador. Convencer a nós mesmos de nossa própria ignorância exige tanto esforço quanto convencer outros, às vezes mais. 

Segundo porque significa também assumir as consequências das nossas escolhas ruins: se escolhi o que não deveria, tudo o que essa escolha trouxe de errado é tb responsabilidade minha.

Terceiro porque a busca do novo e o assumir uma nova opinião incomoda. Temos visto isso nesses tristes tempos em que vivemos, né? De repente amigos que víamos como pares passam a nos questionar, às vezes de maneira incisiva, porque "sendo quem somos" (na verdade a ideia que fazem de nós) passamos a, "de repente", adotar ideias que destoam da eles próprios, com as quais antes concordávamos.

Dito isso, assumo que mudei de ideia, mais uma vez. Sou um tanto "destemido" nessa coisa, e contrariar o senso comum já me doeu, hoje não mais. Fui seguindo "gauche na vida", como escreveu o nosso poeta maior.

Votei em Jair Messias/2018 no segundo turno. Não vou detalhar aqui que raciocínio me levou a fazer  isso, mas a razão é uma só: fui um tanto burro. Ele dizia quem era e o que queria fazer e eu pensava: "nada, ele não será tão doido, está falando isso mas o Congresso, os militares e o Guedes vão contê-lo".

Pois ele foi eleito e fez ou tentou fazer tudo que prometeu, e ainda pior. Caí na real com poucos meses de governo, ao ver as monstruosidades que começaram a acontecer na área ambiental, que acompanho de perto por ser "do ramo". Depois vieram outras barbaridades, pandemia, Orçamento Secreto e outras barbaridades, pra reforçarem meu arrependimento.

Daí veio o problema: escolhas tem consequências, e eu me considero responsável pelas que vem das minhas. Quando vejo a destruição causada pelas políticas ambientais, me sinti responsável. Quando vejo os agrotóxicos serem liberados sem nenhum critério objetivo, alguma resonsabilidade tive. Quando vejo uma menina atirando na nuca da coleguinha com a arma adquirida com as facilidades criadas pelo presidente, sei que quem colocou essa arma na mão da criança foi ele, e já que ajudei a colocá-lo lá, fui também um pouco responsável. Quando ele bota pra rodar o maior esquema de compra de votos no Congresso de que já se teve notícia, porque não se pode mais identificar o ladrão, me senti o otário que entrega a chave do cofre pro vagabundo.

Por essas e outras, domingão irei de 13, assim como fui no primeiro turno. E não "perderei meu voto", de toda forma, porque:

Ganhando Lula, terei ajudado a livrar meu país de um sujeito que PROMETE que vai arrebentar a nossa democracia. Não acho que tenho mais o direito de não acreditar nele, de menosprezá-lo. O PL, partido do presidente e tb do Valdemar da Costa Neto, que cumpriu pena no Mensalão mas se tornou um homem honesto, tem agora 99 deputados, 20% do Congresso. Com esses caras mais o esquema que Bolsonaro entregou na mão desse povo para roubarem a mais não poder e não serem apanhados, ele aprovará qualquer barbaridade que quiser, e ele quer muitas, como aumentar o número de ministros do STF para capturar a única insittuição que ainda lhe põe algum freio, aumentar ainda mais as facilidades para compra de armas e destruição ambiental, dentre outras.

Dado o elenco de apoios que Lula costurou, tenho comigo também alguma esperança de que ele, apoiado por gente feito Meirelles, Tebet, Alckmin, economistas do Real e tanta gente boa que o tem apoiado, mais o acolhimento que ele certamente terá nas democracias relevantes mundo afora, voltarei a me sentir como Suassuna sobre o Brasil: serei "um pessimista esperançoso". 

Ganhando Bolsonaro... bom, aí pelo menos meu dedo não estará mais junto com ele no gatilho que matará cada vez mais crianças e inocentes no Brasil. Quando a democracia se deteriorar e eventualmente for pro espaço, não estarei entre os que contrataram isso. Sofrerei pelo sofrimento alheio, mas não mais pela minha responsabilidade nas sandices que virão. E vai por aí afora. Como diria o grande filósofo Capitão Fábio...

Enfim, poderei fazer minhas as as palavras de Darci Ribeiro: "perdi, mas detestaria estar entre os que venceram". Não estarei, não mais.

Para mim, isso é muito. 

Além disso, nos últimos meses, desde que entendi que "terceira via" era só um wishful thinking da imprensa nem-nem, tenho combatido o bom combate, procurando mostrar, às vezes com algum sucesso, que votar em Bolsonaro é contratar o maior ataque à nossa democracia desde 64, além de tudo o mais de ruim que ele trará. Pesquisei, li, encontrei argumentos,desmenti fake-news, estressei um tanto meus amigos que talvez me entendam lendo esse texto, enfim, fiz campanha para a única alternativa democrática que há disponível no domingo.  

É isso. 

Abracadabraço!

domingo, 3 de maio de 2020

No Cantinho do Céu não tinha Ayrton Senna da Silva

Esse texto é dedicado ao Bado, meu irmão querido.


Bado, que nos nos deixou no dia 9/6/2023




Dia 3 de junho de 1984. Morávamos eu, Bado e Cascão numa casinha simpática numa rua de terra num bairro de Viçosa chamado Cantinho do Céu, que dada a feiúra apelidamos de Beirolinha do Inferno.

Domingão dia de Fórmula 1. Normalmente a gente teria ido pra BH, principalmente o Bado, que não ficava quase fim de semana nenhum em Viçosa. Por alguma razão que me escapa, ficamos. Acordamos naquela ressaca domingueira, ligamos a TV e... nada!!!

A TV simplesmente chiava, fora do ar. Nos afligimos, afinal de contas era Mônaco, né? Saimos de casa pra tentar entender se o problema era só lá e demos de cara com o Chiquinho, amigo e colega de trabalho na carpintaria da Universidade onde eu e o Bado dávamos expediente.

Criador de curiós e morador do morro em frente, o Chico passeava com um de seus passarinhos. Fazia isso com o braço esticado e a gaiola na palma da mão, de olho no bicho e se deliciando com seu canto.

Também ele fã de Fórmula 1, veio confirmar se o problema rolava também em casa. Diante da confirmação, bateu o desespero, mais nele e no Bado que eram bem mais fãs que eu.

Aqui começava nossa saga.

O Chico disse que tinha um amigo que morava por ali que era o técnico responsável pelo posicionamento das antenas de recepção de sinal do satélite para distribuição pela cidade. Pegamos as bicicletas e corremos até a casa do cabra. Lá chegando demos com a cara na porta, mas uma vizinha nos deu a dica: o cara era membro da Igreja Presbiteriana, e devia estar no culto da Primeira Igreja a aquela hora.

O Bado e o Chico resolveram então que devíamos ir lá e tentar convencer o cabra a resolver a questão.

A Primeira Igreja Presbiteriana de Viçosa ficava na P. H Rolfs, "avenida" que dava acesso ao portão principal da UFV e era longe pra cacete de casa. Toca a pedalar e rápido (tava chegando a hora da corrida). Lá chegando o Chico, que conhecia o cara, entrou na Igreja (que tem bem uns 500 lugares) no meio do culto, achou o cara e o levou pra onde a gente tava, do lado de fora.

O sujeito então nos explicou que estava acontecendo um procedimento de ajuste na antena que seria interrompido só à tarde, ou seja, em Viçosa não ia rolar de ver a corrida. Tentamos convencê-lo a interromper o tal procedimento, o que obviamente ele se recusou a fazer. Mas nos deu uma dica: em Silvestre, um bairro bem pra lá lá de casa talvez fosse possível assistir a corrida, já que o sinal de Ponte Nova chegava até lá, a depender do lugar.

O Chico então se lembrou de um outro amigo que tinha carro e era também tarado por F1. Toca a pedalar até a casa do cara, acordá-lo e convencê-lo a ir tentar ver a corrida em Silvestre nos levando junto.

Só tinha um problema: o carro do cara tava quase sem gasolina e posto nessa época não abria domingo.

Convencemos o sujeito a pelo menos tentar. Se lá chegássemos, na volta daríamos um jeito.

Entramos no carro e fomos de voada a Silvestre. Lá chegando... e agora, onde assistir a corrida? Não conhecíamos ninguém que morava lá...

Saímos procurando pela cidade e de repente ouvimos o som da chamada da corrida dentro do que parecia a porta de um botequim ainda fechado.

Batemos, o cabra abriu, contamos nosso drama e ele, que iria abrir o bar só pro almoço, topou nos receber pra assistir a corrida.

Sentamo-nos então em frente a uma TV bem velha, P&B, bem na hora da largada!

O resto... bom o resto é História!